Por Felippe Martins
“O tempo é mais um oceano do que um rio”.
Venho jogando games há
quase trinta anos. Jogos (tanto analógicos como digitais) foram (e sempre
serão) motivo não só de diversão, mas também de estudo. Testemunhei (como
muitos dos que estiverem lendo também testemunharam) atentamente a evolução
pela qual esta mídia passou desde seus tenros anos.
Pensando em termos de tempo (e vocês verão que o termo “tempo”
tem muito a ver com o assunto deste artigo) a diferença tecnológica foi tanta
que ainda me surpreendo com certos visuais e texturas, e antes, jogos feitos
por apenas uma pessoa em seu tempo livre, deram lugar a equipes de
desenvolvimento tão numerosas como qualquer equipe de filmagem de algum
blockbuster. Felizmente, em todos esses
anos, nunca me prendi a gráficos. Sempre achei (com exemplos numerosos) de que
a máxima “gráfico não faz o jogo” é bem real. Sempre me prendi em algo muito
mais importante - e digo até ser a quintessência de qualquer jogo: a Experiência.
Aquilo que você sente quando está com a mão no joystick/teclado. E fico feliz
em ver que mais do que gráficos, a maneira como os jogos hoje em dia ENTREGAM
esta experiência ao jogador, evoluiu também de maneira primorosa.
Não é fácil contar uma história. Digo “contar uma história”
porque existem milhares de escritores, roteiristas, diretores de cinema que
tentam todos os dias e falham de maneiras cada vez mais homéricas.
Contar uma
história, que seja realmente boa, criativa, envolvente, com personagens bem
delineados, construídos de maneira coerente e que realmente entregue algo
interessante à sua “audiência” é ainda um pouco mais complicado. A história
pode ser até medíocre, mas a maneira como ela é contada pode transformá-la em
algo realmente único.
Então chegamos ao nível “hard” da coisa: Contar uma boa
história, de maneira criativa, envolvente, com personagens bem delineados,
construídos de maneira coerente ENQUANTO interagimos com um mundo virtual
criado para contar esta história AO MESMO TEMPO em que o gameplay faz um “link”
entre nós jogadores, a história e a mecânica de jogo resultando em uma
experiência completa e satisfatória.
Parece quase impossível certo?
Bem, alguns jogos realmente fazem essa proeza e cito alguns
bem diferentes em mecânica, estilo e tema como Silent Hill 2, Metal Gear Solid
e de maneira muito mais profunda, Bioshock (o primeiro).
Bioshock este, que com sua Rapture submarina e sua
ambientação retrô anos 40 (apesar de se passar em 1960, Rapture “congelou no
tempo” na década de 40) é a síntese da metalinguagem nos jogos, afinal, no
próprio plot do jogo nos é explicado o motivo de existir a mecânica do ordinário “vá atrás do próximo objetivo” com um twist de roteiro “mind-blowing” que
ninguém esperava. O uso do educado termo “would you kindly” nunca mais foi
visto como o mesmo e ainda hoje tenho medo de ouvir alguém me pedindo algo com
educação. Se você leitor, não tem a mínima ideia do que estou falando, jogue
Bioshock e sinta a experiência de um jogo que não tem medo de desconstruir jogar na sua cara e
reconstruir novamente de forma magistral a sua própria mecânica enquanto ao
mesmo tempo a justifica.
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Os irmãos Lutece são a prova em Bioshock Infinite de personagens criados de forma magistral. Os dois roubam a cena cada vez que aparecem. |
Mas então chegamos a Bioshock Infinite. O ano é 1912 e
entramos na pele de Booker DeWitt, um ex-soldado que está numa missão para
quitar uma dívida. Ele deve se infiltrar na cidade voadora de Columbia para
resgatar uma garota. “Traga-nos a garota e limpe sua dívida” diz o bilhete do
misterioso contato que está pregado na porta de um farol em auto-mar (sei exatamente o que você leitor está pensando, mas não vou responder sua dúvida). Chegando a Columbia, após uma ótima (e não última) referência
aos dois primeiros jogos, podemos andar pela cidade voadora e testemunhar o quão feliz é viver
em uma cidade literalmente nas nuvens. Mas aí entramos numa Rifa, ganhamos o
premio e descobrimos que a vida em Columbia pode não ser tão feliz assim...
Qualquer indicio que Bioshock Infinite possa dar de ser um
jogo comum é totalmente destruído nos primeiros minutos de gameplay quando você tem que ser batizado para poder entrar na cidade. Inclusive o "batismo" é uma alegoria recorrente no jogo que nem sempre vai significar algo bom.
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Alguém deixou Comstock nervoso. |
O Profeta Zachary Hale Comstock líder
religioso extremista da teocrática Columbia faz aqui o papel que foi de Andrew Ryan no
original e é a personificação de (quase) toda desgraça que ocorre com os protagonistas.
Segregação racial, xenofobia e fanatismo religioso são temas pesados tratados
de forma extremamente eficiente sem nunca serem de mau gosto, porém ainda
mantendo a gravidade que lhe é devida.
Elisabeth, a garota a que Booker deve tirar de Columbia
possui o engenhoso poder de abrir fendas no espaço tempo, provendo armamento,
cobertura e novos pontos de estratégia nos combates além de ser a personagem
que abre fechaduras quando existem portas trancadas. A 2K foi inteligente o
suficiente para não transformar Bioshock Infinite em uma eterna “escort mission”,
informando o jogador a não se preocupar com a segurança de Elisabeth durante os
combates. Ao invés disso, é ela que se preocupa conosco ajundando de várias
maneiras já citadas.Em contraponto à falta dos Big Daddys, temos alguns inimigos bizarros e assustadores como os Patriotas (robôs que carregam metralhadoras e geralmente possuem a cabeça de algum presidente americano morto) os Handymen e o terrível Songbird. A jogabilidade está muito fluída, mas nada muito diferente
do primeiro jogo. O visual é maravilhoso e a 2K fez bom uso da Unreal Engine,
que roda de maneira ótima no PC, mas ainda consegue ser fantástica nos
consoles.
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Um Handyman vem pra cima como um Big Daddy. Portanto, cuidado! |
O jogo é recheado de easter eggs, como músicas do Credence,
Tears for Fears, Cindy Lauper, Bach; referências à Star Wars, e aos outros
jogos da franquia. Os aquivos de som encontrados ajudam a entender o panorama
do que está acontecendo e procurá-los é essencial para entender melhor a genial
história. A trama mistura física quântica, misticismo, religião, viagem no tempo, vingança,
redenção e racismo de forma a criar uma das melhores ficções científica steampunk
e um jogo que já nasceu como obra-prima. É inegável que muito talento e muito
risco foram colocados em Bioshock Infinite, e felizmente tudo isso deu certo.
Não vou entregar muitos detalhes da trama, mas Bioshock
Infinite constrói a narrativa de forma tão estupenda e inteligente que além de
explicar o termo do título (infinito) possui um final corajoso e inteligente, que
é um chute no estomago seguido por um chute na cara, para se discutir por dias
e querer re-jogar para pegar todas as dicas e juntar o quebra cabeças narrativo.
Enfim, um jogo que entrega uma experiência única e muito recompensadora.
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Elisabeth e Songbird. A relação dos dois no jogo é complexa e extremamente interessante. |
Pessoalmente digo que, a experiência em Bioshock Infinite é entregue de forma notoriamente magistral. Mais ao final, foi mágico voltar nem
que seja por alguns minutos a certa cidade aquática e ouvir sua música característica
para, além do vidro reforçado, ver uma pequena Little Sister acompanhada de um
quase solitário Big Daddy e entender que tudo está conectado de alguma forma...
Espere.
Isso foi um spoiler? Isso é um spoiler? Isso será um spoiler?
Bem... acho que você terá que
jogar para descobrir não é?